sábado, 15 de janeiro de 2011

Mesa de parto com três pernas

Às 16 horas, 22 minutos e 15 exatos segundos, na maternidade do Santa Maria, nasceram 4 crianças. O hospital era o maior de uma cidade interiorana que por seus pomares tinha cheiro adocicado e melodioso, porém suas ruas não escondiam as sujeiras e urina de todo boa cidade que se preze. As quatro crianças eram filhas de pais diferentes, não havia proximidade entre suas casas, e muito provavelmente acabariam por brincar com brinquedos sortidos, com os quais iriam se divertir da mesma maneira. Foram quatro nomes.

Uma foi batizada Sacanagem Castro. Chorou demais quando criança. A infância passou tão rápido que ela nem percebeu quando os seios começaram a crescer e os garotos passaram a olhar pra ela inclinando a cabeça um pouco para baixo e não desviando os olhares por nem meio segundo. Mas os tempos de adulto-jovem... conheceu camas e homens (e mulheres, sim!), conheceu a podridão da cidade e o ajoelhar-se na igreja e nos banheiros de bares. Foi uma ótima pessoa, amou crianças e cachorros. Beijava homens e depois cuspia neles. Aos 49 tatuou no ombro uma carpa. Morreu cedo e rindo.

José Maragranna fora outro. Fez-se bancário. Chegou à gerência cedo demais, ganhou um carimbo cedo demais. Este passou a vida todo sendo questionado de tanta coisa que acabava por bloquear qualquer sentença que começasse com “E agora José?”. Odiava alface. Morreu cedo e com três grandes rugas.

Pril de Morales tinha descendência espanhola. Na escola odiou estudar História da América Latina, e quando os coleguinhas ouviram a palavra criollo foi uma pirotecnia de risos com o apelido que ele acabara de ganhar. Abominou apelidos. Pegou a época de ascensão do Teatro Arena no país e pareceu lograr. Ao menos queria lograr. Um dia usou uma fantasia tão engraçada que ganhou o nome de Capitão Pril. O teatro nacional amou, a rede nacional de televisores amou. Ele amou. Hipertenso aos 38, teve seu coração batendo pela última vez ao descobrir na farmácia que o remédio receitado por seu médico fora Capitopril. Arrancou sangue com chutes nos joelhos de tantos amiguinhos na escola por conta dos apelidos que recebeu, e a vida que construíra no teatro-tv tinha como base um apelido de remédio. Maledito! Enfartou indistinto.

Uma das últimas crianças a nascer chamou-se Antônio Arlindo, mesmo. Antônio não teve apelidos, possuiu duas mulheres – uma de cada vez – ao longo da vida e nunca ninguém perguntou muito pra ele, o que lhe agradou deveras. Morreu aos 96 anos de idade, às 16 horas, 22 minutos e 15 exatos segundos, de causas naturais.

17 comentários:

bia santos disse...

Gosto de contos assim:

Que deixa a imaginação da gente trabalhar...

Muito bom!

Barbara Jaze disse...

Que interessante, como disse a bia, deixa a nossa imaginação trabalhar, muito bom. Gostei muito do blog, parabéns.

Laura Marzullo disse...

ahhh, tu aproveita cada postagem para mostrar um estilo diferente, não?
não sei, mas suspeito já ter algo nesse mesmo estilo. eu costumo dizer q td na vida nos influencia, mesmo que a gente ñ perceba. nesse caso, vê-se q mesmo os nomes são consideráveis nos rumos q tomamos. legal a tática de usar nomes para desenvolver um enredo. atéé! xD

Priscilla Baroni disse...

Eu adorei o que escreveste, JV!
Fiquei pensando em quantas histórias de vida repetem este enredo!

Muito bom!
;*

ρσєтα υяbαиσ disse...

As pessoas costumam a culpar a hereditariedade dos pais os mais insignificantes problemas que surgem no cotidiano. É interessante pensar neste assunto, como vc deixou visível no testo todos os filhos eram de pais diferentes, seguiram caminhos distintos na vida e cada um teve um final diferente .
Ambos são de mesma mãe, três mulheres e um homem( Arlindo) ...
... a pergunta que cala é, como era os país de cada um deles?
Como nascera tantas diferenças entre irmãos se ambos receberam a mesma educação?
Hereditáriedade de caracter, temperamento, enfim, de todo o piscológico é uma questão a ser pensada .

Adorei o texto e já estou te seguindo .

poetaurbanoo.blogspot.com

Lari Bohnenberger disse...
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Letícia Costa disse...

Parabéns pelo blog!
Apesar dos teus compromissos acadêmicos espero que continue com ele. Muito bom mesmo.
bjo

Fabiane Daz disse...

Bem interessante o texto.. nos faz pensar e atiça a curiosidade..rs

Gabriella Barbosa disse...

Adorei,se é q posso resumir em uma palavra! Um texto objetivo, claro, mas com um bilhão de significados intrínsecos p olhos treinados de detetives de letras,hahahahah. Poderia dizer q em poucas linhas pude perceber um estilo meio ácido, mas de um cinismo - no bom sentido - pelo jogo c as palavras, quase machadiano. Só posso dizer q estou super orgulhosa!!!

Elza Milhomem. disse...

Adorei o conto. Escreve muito bem e tem uma ótima desenvoltura vocabular, o que, nos faz ter um gostinho de quero mais.

Abraço.

Unknown disse...

Nossa banca esse texto aqui *----*
Bem legal =)

Carolina Ventura disse...

Muito interessante, ! queria eu ter uma mente assim para criar contos e histórias!
Muito bom ! Parabéens!

Ponto de Vista disse...
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Beck disse...

Muito bom, interessante e não cansa de ler. Tá de parabéns! :)

http://bequisblog.blogspot.com

M.agic_Words disse...

Que eu sou sua fã você já sabe né?! Nossa, cada vez que leio seus posts eu me sinto motivada para escrever, muito bom o conto e realmente nos faz viajar, eu estava aqui já imaginando cada personagem.. Amei o final! Parabéénss... [ Ah e respondendo seu comentário, já está lá um novo post!]

Alana Driziê disse...

Muito legal seu texto, hehehe. Bem engraçadinho e divertido.

É interessante pensar em vidas que coemçam no mesmo segundo e conseguem ser tão diferentes...

Jéssica Mendes disse...

Cara, eu não sou de comentar, tu sabes, mas oooooolha, tinha que dizer algo deste aqui, viu?! E só sei que gostei muitão mesmo!