terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A casa de ourives

A construção mantinha sua resistência tentando inutilmente fazer do solo um peito afável, cismando em não submergir no buraco que nos últimos 14 anos tentava engolir tudo como um oceano de piche. Agora tudo cedia. No momento em que toda aquela estrutura que outrora de tão modesta dissimulava a quantidade de enredos que eram tecidos em seus cômodos e fundos fosse ao chão, levaria com ela um punhado das lembranças. Talvez até mais, mutilando as memórias, fazendo as perturbações morais ruírem.

A antiga casa de ourives. Brigada anciã de uma família de pai, mãe e filhos como é raro de se encontrar; dessas que não levava consigo divórcios e amantes fora da cama e que fazia o sinal de nome-do-Pai sempre que passava frente a uma igreja.

Parece-te natural – na verdade um tanto ambrosíaco – visitar tal lugar, não? Engana-te.

O que dali era lembrança suave, acalentava. O que era fel parecia corroer.

A chave rodou com um estampido quando as lingüetas destrancaram a porta da entrada. Por baixo de todas as teias e pó, ainda era a mesma casa. Sua casa. Nos fundos, com saída para a rua paralela, a loja onde recebera encomendas dos plêiades e dos chulos morais da cidade. Anéis de graduação, anéis de casamento, abotoaduras...

Cada aresta da casa tinha um pouco dos filhos. E um pouco dela. Os homens que ele hoje ainda chamava por diminutivos cresceram ali. Os homens que hoje lhe davam netos.

Ela entrou ali com o rosto fumegante de qualquer recém-casada, um sorriso cadenciado com os olhos. Queria tê-la visto saindo dali da mesma maneira: com 20 anos. Mesmo com a morte galgando seu feitio pouco à pouco, e os 60 não sendo a mais tenra das idades (tampouco sendo a mais ardilosa) aquela italiana preservou cravado em seu corpo miúdo o que nem mesmo o tempo poderia levar. Rugas e mazelas não tomaram consigo aquele sorriso e aqueles olhos.

O senhor andou por cada cômodo com a certeza de que precisava rever tudo aquilo. Nem mesmo a memória de um moço segurava as lembranças com a clareza de quando se concretizavam, quem dirá a de um velhote! Talvez nem mesmo fosse tão forte para agüentar aquele turbilhão de emoções. Talvez fosse exatamente isso que ele almejara: que seu corpo não agüentasse a visita.

Manhã. Tarde. Noite. O corpo agüentou.

Despediu-se ao cruzar a porta na direção contrária a que entrou. Na mão idosa que segurava a bengala, no anelar direito, o anel de ouro e prata fulgurava impetuoso. Até onde a lembrança – quase demente – vislumbrava, fora um dos últimos feitos. Fora uma obra-prima, e como se o espírito daquela belladona tivesse colocado ponderosamente sua alma cobiçosa no ouro e o enigma de seu corpo na prata. Enquanto aquele anel valsasse em seu dedo, ela estaria com ele em aconchego. Siameses de espírito.

32 comentários:

Alana Driziê disse...

Muito bonito. Adorei o final "Siameses de espírito", hehehe. Adoro as palavras que tu usas no texto, sempre muito bem escolhidas... consegui até sentir um pouco do sentimento desse personagem, pois estou longe de onde nasci e guardo uma enorme paixão por lá... quando reencontro meu lugar é mais ou menos assim, não sei se meu corpo vai aguentar as emoções ;)

Então, meus textos (na maioria das vezes) não são autobiográficos, claro que sempre tem um pinguinho da minha vida lá, mas tento buscaar um assunto e deixar o texto fluir, apresentar seu final sem que eu o pense ou o tenha vivido...

Letras é um ótimo curso mesmo. Sou apaixonada.. e quase cursei Jornalismo (primeira opção dos meus pais), mas acabei seguindo meu destino. Não me vejo em outro curso...

E como imaginei, sou um aninho mais nova. Tenho 17 e faço 18 em 3 meses... (sou um pouquinho adiantada hehe)

:)

ρσєтα υяbαиσ disse...

Uma casa representa toda uma vida, uma familia, lutas, vitórias e derrotas. É duro abrir mão ou perder o nosso lar. Fico pensando se um dia irei embora da casa cujo o tempo de vivencia já é de 15 anos, fico imaginado quando eu me casar ter de deixar minha mãe e irmãos la, os amigos que nunca se esquece, será que sempre ficaram onde sempre os encontramos ?
Nunca passei pelo tal, sei que é inevitável para todos isso, essa é a sina de todo filho da terra, viemos dela e voltaremos para ela, não importa o lugar, não importa o que deixaremos o quem irá nos deixar . É a conscequencia do viver .

poetaurbanoo.blogspot.com

Ane Caroline Cruz disse...
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taaa disse...

Como já falei antees, adorei seu Blog, vc realmente escreve muito bem e consegue retratar a situação e passar sentimento.
Mas uma vez, Parabenss pelo Blog e obrigada pela visita no http://taaataaa.wordpress.com/ :)

Yuri Costa disse...

Era uma casa..

:) http://eitamania.blogspot.com/

Anônimo disse...

"Ela estaria com ele em aconchego. Siameses de espírito." Adorei, você escreve muito bem (:

Se puder dar uma olhada no meu blog:

http://instantevivido.blogspot.com

Beijos.

Yuri Costa disse...
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Alessandra Sousa disse...

Nossa que desespero... Change Feelings

Eduarda Moura Melo disse...
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Rê ;D disse...

Gostei do que você escreveu , parabéns é um ótimo escritor , viajei no seu texto , fui fundo nele , o desenrolar do texto é incrível , todo o texto passa muita emoção , parabéns , parabéns mesmo ..

Jah Valentim disse...

Muito bom. Me prendi ao texto e só parei quando li até o final mesmo hehehe. Parabéns por transceder desta forma, são poucos que conseguem fazer isso!
Gostei mesmo.

Se quiser, pode passar em meu blog, também.

http://descubraaaa.blogspot.com/

Anna Gabby disse...

Gostei muito! Sou uma viciada em livros e histórias em geral. Quando começei a ler seu texto não consegui parar é como se eu estivesse lá vendo tudo acontecer... praticamente um delirio... um adoravel delirio, Muito bom!


Letras e Versos da Anna

Láh/ disse...

Primeiramente, obrigada elo comentário no Delírios e Paranóias. =)
______

Nossa, eu me emocionei com essa história. Não cheguei a chorar, mas do modo que vc escreveu, conseguiu transmitir todo o sentimento que aquele senhor estava sentindo.
Nossa, muito bom MESMO! Parabééns..
Voltarei aqui mais vezes!

Alana Driziê disse...

Sou de Porto Alegre sim, mas infelizmente estou morando no Rio Grande do Norte (outro lado do país, rs)... Moro aqui há uns sete anos, mas AMO o Rio Grande do Sul de uma forma inexplicável... pretendo voltar pra lá assim que for possível :)

Ainda não vi esse filme "Melinda & Melinda", mas vou procurar saber mais sobre ele... :)

Lucas Moura disse...

Cada pedaço da nossa vida fica num lugar, numa pessoa, num acontecimento...Ou, em todos estes.
As lembranças que nos faz ter certeza que tudo valeu à pena...Tudo não foi em vão. Tudo foi tão efêmero, mas tão marcante...
Ótimo texto! Gostei demais.Parabéns pelo blog.
Por: http://quaddronegro.blogspot.com/

Hozana Rodrigues disse...

Muito interessante.
Gostei bastante.
A forma como você escreve é de uma eloquencia grande.
Poucas pessoas escrevem assim.
"Siameses de espírito" foi uma bela expressão utilizada ao término do post.
Parabéns!

Unknown disse...

Só um escritor de verdade poderia expressar tão bem a angústia humana pela passagem do tempo...
pela passagem da vida.
Você o fez com beleza e poesia!

Camille Delduque (: disse...

muito legal a maneira que você escreve, se aprofunda bastante no texto, adorei.

Parabéns pelo blog, beijos!

www.meu-diario-imaginario.blogspot.com

Yohana Sanfer disse...

Que escrita perfeita, quanto sentimento vestido de palavras no teu texto...vim por acaso e me encantei!

Ane Caroline Cruz disse...

aDOREI VC ESCREVE MUITO BEM!..

Micaela disse...
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Unknown disse...

Expressão e sentimento... Adorei ler esse texto, muito bom!

Láh/ disse...

Oii!
Se estiver interessado, tem um selo pra ti no meu blog.
Indiquei alguns e o seu está entre eles. ;)

Mah disse...

Tem selinhos no meu blog pra vc!

Beijaum!

Polyana Muniz disse...

Oi, você é um retardado que fica enrolando em vez de escrever, e que apaga os comentarios e criticas negativas das pessoas só pra ter elogios e se aparecer.
Posso saber cadê o link do meu blog, João Victor? Saiba que eu vou tirar o seu do meu blog. E cade o template MUITO MELHOR que eu tinha feito pra ti seu pseudo-médico/escritor?

XOXO, Gossip Girl

Lua Blins disse...

escreve bem, blogueiro ludovicense! gostei!

Unknown disse...

Oi Victor, obrigada pela visita, e desculpa o atraso, é que às vezes fico sem postar muito tempo.. adorei seu post..bjus e até! ^^

Landora disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Landora disse...

Só pra constar aqui em cima é a Alana (Landora) do houladabarca =p

Jota disse...

oi, obrigado pela visita no literalmente falando. realmente não lembro de conhecer seu blog, mas gostei. que pena que parou de escrever.
eu, depois de quase um ano, estou voltando a escrever.
um abraço e apareça quando quiser

Jota disse...

oi, obrigado pela visita no literalmente falando. realmente não lembro de conhecer seu blog, mas gostei. que pena que parou de escrever.
eu, depois de quase um ano, estou voltando a escrever.
um abraço e apareça quando quiser

www.euachoquefoiassim.blogspot.com

Suzanna Rani disse...

Que lindo! Tu sabes usar as palavras muito bem, meu caro! ^^
Estarei visitando aqui sempre, João Victor! <3
Beijos!